TEMPO DE MATURIDADE

TEMPO DE MATURIDADE I


(envelhecência, meia idade, enfim, ter quase 50 torna a gente
melhor do que qualquer um de 20)

Como é bom passar de determinada idade, ter tido diversas experiências, ter casado, separado, namorado, casado de novo, ter tido filhos em diversos momentos e de diversas maneiras. Ser contemporânea e ter sido antiga e brega, visto fatos históricos passarem no desfile de 7 de Setembro. Como é bom ter pixado muros, ter sido de esquerda, feito treinamento de luta armada elido Stalin e Trotsky quando eram proibidos. Melhor ainda foi assistir "Je vous salu Marie" em sessão secreta na UFSC, na decada de 80. Não me arrependo de ter chorado pela morte de meus cachorros de estimação (em épocas diversas) nem de ter feito túmulo e orações para que fossem para o céu dos animais.

Como é bom passar por coisas que poucas pessoas passaram ou viveram, como ter conhecido o nordeste brasileiro de carona, acreditado no ser humano, descobrir depois de anos de terapia que os filhos não devem julgar os pais, mas sim agradecer pela vida que recebemos deles. Outro tempo foi-me possível ver a beleza do Nintendo e depois entender a complexidade do editor de texto Facil que rodava num MS-DOS verde, por força de ter filhos que permitiam esta descoberta. Nunca esquecer que só o tempo sabe valorizar uma redação de jornal, minimizar a força de uma lauda amassada a ser reescrita, jogada com fúria pelo chefe de reportagem Arthur Tadeu Dutra Monteiro ou tornar histórica uma greve de jornalistas que exigia a publicação de uma matéria sobre a poluição do Ribeirão Garcia, que denunciava a Artex sócia do jornal. Quanto foi possível ser mais bela depois de um atendimentoespecializado pela Taty e como foi possível respirar melhor depois de uma massagem reichiana e permitido chorar mais e tanto após uma terapia do psiquiatra Manuel Brandão. Lembrar da dificuldade de ensinar a um filho que a verdade as vezes não deve ser dita (principalmente para a mulher do cara que tinha uma amante) e que as vezes seria importante ter passado aquela " cola" naquela prova, sem dizer pra professora que o colega estava lhe incomodando durante a prova. Como ensinar alguém a viver se nem nós sabemos como fazê-lo sem cicatrizes, febres ou dores.

Impossível eu ter sido quem sou sem ter vivenciado um shawasana do Leandro, ou uma torção perfeita de tronco do Caio ou uma vivência de nada som do Carlos Caje. Como ter dito que você sabe o que é viver se não cantou o mantra HARE KRSHMA até estar leve como pluma e querer ser levado por Hara Kanta para outra dimensão. Ter experimentado sangue de todos os animais e depois, em sua solidariedade tornar-se vegetariana. Como é bom poder compartilhar minhas vivências e experiências e minhas lembranças comigo mesma e saber-me que hoje sou a somatória de tudo, a divisão de mim com os quais eu amo, a multiplicação do que sei com os que querem saber-me e a potenciação de possível acertos, a mininuição dos enganos e erros. Dia após dia, sopro após sopro, passo a passo fui-me fazendo quem eu sou, antes revoltosa, hoje caminhante, que sabe esperar o tempo de maturidade dos que vem depois de mim.

Muitas vezes ter a certeza de que aquele caminho não dará em nenhuma alameda nem avenida, mas que só existe aquele caminho que aquela pessoa pode caminhar. Entendo agora minha avó, que do alto de seus 20 anos a mais que os meus 10, podia me ouvir e acalentar minhas ansiedades. Percebo hoje que meu pai, todos os dias, exercia a paciência e a sabedoria com o meu irmão e que hoje tenho que ter a mesma ao ver um filho distante, massacrante, desprezando quem lhe ama, mas estar com a caixinha de primeiros socorros pronta para curativos quando doer demais e não perguntar nada, apenas dizer que amamos e que queremos ver-lhe bem.
Sei que tudo que fiz e tudo pelo que lutei e luto permanecem gravados e salvos em mim. Entendo que não há outro caminho para a nossa edificação, individualidade e especificidade a não ser permitir-nos ousar. Entretanto coitado daquele que aprende com os próprios erros, que não desenvolve a empatia, que não é solidário e isola-se como se assim fosse melhor, maior e feliz.

Como é fácil ver o defeito no outro e não perceber a doença que lhe acomete. Prefiro eu hoje assim, que choro semanalmente, leio diariamente e caminho pela Lagoa a espera de sua maturidade, de suas experiências que possam te tornar melhor e maduro.

Não. Isso não é uma armadilha, nem carta de intenções, muito menos um mea-culpa. É um breve relato de possibilidades que eram rascunhos de mim mas que agora são minha arte de rua, exposta e sem a mínima possibilidade de enganos.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

RASCUNHOS DE MIM (1)


(quem ser se não eu mesma?)
Quisera um dia não ser eu por um tempo. Esquecer de tudo que fui, que sou, minhas possibilidades. Pensaria que em pele e carne de outrem, pudesse eu ser alguém mais exeqüível, complacente, sensata e sem os humores e impulsos que movem uma mulher tipo eu. Quisera eu poder arrancar de mim, aos poucos e com as mãos rotas, minhas revoltas, meus anseios, inquietudes que nascem e renascem hora a hora. Como seria bom, eu sei, nascer seca, limpa, inodora e ser criada à base de linhos, sucos e manjares adocicados pelo mel e embalados por meigas palavras diárias. Caminhar pelo quarto como se nuvens fosse e não bater em nada, em ninguém e tocar em almofadas de eventos diários que só me fizessem bem. Este tempo ficaria em mim como se fosse hoje, como se fosse acordar amanhã, com música e não futebol e o cheiro que viesse da cozinha fosse de uma trufa, pettit gateau e não do ardido alho que encobre outros sabores. Quisera eu, como quisera, ter nascido em outra roupagem, menos pele, menos gordura, mais músculos protéicos que me fariam esportiva e atlética. Assim poderia ter corrido mais nos parques públicos onde eu nunca fui levada quando criança, e poderia escalar sem medo de quedas as imensas árvores que cercavam o pomar que nunca foi do meu avô. Assim poderia ter escapado do cachorro louco que me mordeu a panturrilha, fugir do avô da minha prima, com seu membro semi-viril à mostra e não teria medo de colocar meus pés no brejo, no mangue e os caranguejos nunca marcariam com cicatrizes meus passos. Como seria fácil se eu fosse outra por uns anos apenas. Como seria bom colocar uma roupa e ela me cair bem sempre, ou passar um batom e minha boca estar linda, doce e sensual quase sempre e os cabelos longos e fortes, até a cintura, sensuais cobririam meus seios quando nua ficasse. Seria tão bom poder caminhar sem me preocupar com os olhares em volta, para meu passo desajeitado, para minha flacidez, minha falta de jeito e trejeito de simplesmente seguir adiante firme, mas com ritmo e movimento. Sem que eu fosse eu mesma poderia sorrir por tempos, sem ter um medo sequer de que vissem as imperfeições de minha boca, de meus dentes obturados, de minhas palavras cortantes. Seria apenas rir e falar sobre temas amenos, sem importância, sem coerência e todos ririam comigo, de mim e para mim como se eu fosse uma sílfide, uma dona-de-casa de subúrbio que cuida da casa e do jardim e dos filhos e do marido com todo o amor e doçura jamais sonhados. Quisera então eu ter desejo infindável, que exalasse sexo nas horas em que acordada estivesse e pudesse eu ter todos os desejos atendidos diuturnamente, sendo meu quarto um antro que pudesse estar sempre disposta, cheirosa, bonita como todas as outras devem estar sempre e pudesse então jamais dizer não em nenhum momento e não ter dores, ardores, nem pausas, nem sangrar mensalmente, pois isso me atrasaria o tempo de cópula. Se eu pudesse não ser eu, não ser o que sempre pude ser me construindo arduamente e ousasse pensar diferente e assistir programas televisivos que todos quisessem assistir, pois jamais diria não a ninguém, nunca, jamais. Sonhei outro dia que seria diferente de mim, que poderia ser tão diferente do que eu havia me tornado repugnante, e pudesse sempre atender o desejo do outro e dar a resposta certa sempre, para que o outro me aceitasse e me amasse integralmente. Seria eu a serviçal, o roteiro pré-escrito, a resposta às perguntas e o resultado dos desafios dos interlocutores que me pudessem encontrar. Como seria eu feliz e faria feliz o outro. Como seria bom não dizer o que eu pensasse e nem responder do jeito que entendia correto e ser vitima de meus desequilíbrios hormonais. Pensei que pudesse ter nascido assim, com um gerenciador de qualidade total de dosagem de hormônios, para quando tivesse que trabalhar injetasse adrenalina, quando tivesse que amar liberasse mais serotonina, quando tivesse que dormir melatonina, para ficar magra insulina e nesta super-administração pudesse estar sempre perfeita e disposta e atenta. Se pudesse não ser eu um dia, jamais voltaria a ser eu mesma ou aquela outra que um dia esquecera de crescer. Assim, talvez todos pudessem me olhar, me ver e me gostar da forma que sou, que posso ser eu. Neste dia, esqueceria de quem fui, seria quem você quer e jamais voltaria a viver!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

tantra





hoje choveu cedo
e por isso fechou a sombrinha
na esquina daquela rua

(lavou-se nas eiras)

um passo
uma poça
olha a moça
que chega enfeitada

agora enxuga o rosto
refaz o batom
e o pó compacto
caminho de si

(seca-se na beira)

hoje a noite haverá lua
mais um lobo
um bom moço
trocar-lhe
por 1 real


sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Picasso (Angel Fernandez de Soto com uma mulher) 1902/1903

(pra ler sem respirar)



De novo você

com esta cara azeda

o amargo sabor

e a barba não feita!


(cheiro estranho do ralo)


Vira prá cá

me rasga a roupa

lixa o corpo cansado

joga pesado

me tenha

pelo menos agora

antes que passe o caminhão

e me leve daqui prum aterro

desterro de gente que se esqueceu!


(que cheiro estranho!)

sábado, 14 de novembro de 2009

SOLIDAO AO CAIR DA TARDE


Acordou cedo, esticou seu braço à procura do calor das pernas do seu amante. As mãos correram os lençois brancos e vazios e ela ouviu apenas o bater da porta da sala. Ele não mais estaria lá no sofá ou nu em frente da geladeira semi-vazia. Saiu correndo para a rotina, para a agenda apertada, para a família exigente por contas quitadas e mercado feito.

Ela ficaria ali dormindo até tarde, sentindo o cheiro forte emanado de suas vísceras. Não tinha nada urgente, nem prudente a ser feito a não ser esperar quedada por outro sonho, um pequeno pesadelo que costumada lhe visitar nas manhãs de terça-feira.

O dia meio quente, meio escuro e meio úmido não fizeram bem a ele. Mesmo no horário em sua sala recém montada, com uma agenda flexível e uma academia que esperava seu suor nas toalhas desgastadas de seu casamento, fazia de conta que era ocupado. Afinal, ocupar-se é a melhor coisa a ser feita quando nada se quer decidir, fazer nem mudar. Da manhã até na hora de dormir, reuniões, corre-corre, engarrafamentos, negociatas e gráficos de venda que justificariam seu extrato bancário cheio em contraposição ao vazio que ia dentro.

Ela tomou banho, colocou um suave chambre sobre seu corpo umido, caminhou até a cozinha e preparou para si um café solúvel, fraco e quente como ela. 2 minutos no micro-ondas, duas gotas de adoçante de estévia, três balanços da colher na xícara e pronto. Seu dia estava melhor.

Ela era moça de poucas exigências, pouca burocracia, pouca roupa e poucas palavras. Queria ser apenas uma mulher que valesse a pena na vida de alguém. Valer a pena ficar na cama ate mais tarde, abrir a porta do carro, puchar a cadeira no restaurante, uma flor no meio da tarde, um poema antes de dormir. Queria ser motivo de um e-mail cheio, receber meias finas rendadas em troca de seu orgasmo agri-doce. Valer a pena ela queria, na vida de alguém, de uma conversa inteligente, de um disco de jazz arranhado, de uma taça trincada importada, não se importava com muito, nem com o sempre.

Ele queria tudo, o tempo todo, mais e mais cenas descritas em seu roteiro mental, com respostas cinematográficas, streptease das divas, meia-luz, meia-perna, meia mulher sua. Nos dias que não vinha igualmente queria da outra o mesmo dela e esforçava-se para dar conta das contas, das calcinhas repetidas, do colchao sem cabeceira.

Hoje era terça-feira. Ela dormiu cedo. Na mesinha de cabeceira alguns comprimidos auxiliaram neste sono profundo. Sua mão correu o lençol devagar, em busca de um sinal dele. A cartela vazia de barbituricos quedou no chão e desta vez tinha certeza que não teria mais novos pesadelos!

terça-feira, 1 de setembro de 2009

MANIFESTO DA VISIBILIDADE


Flores que encontro nas caminhadas pela Lagoa...

Sempre gostei da palavra manifesto. É uma possibilidade e lembra-nos que estamos vivos e podemos nos expressar independente de pai, mãe, filhos e pessoas que convivem conosco e podem franzir o nariz ao ouvir este ou aquele comentário.

Pois bem. Hoje quero manifestar-se sobre a visibilidade.

Quem vê e quem pode ser visto!

O que existe e o que é observado?

Ver o que nunca existiu?

Tudo é possível assim, a cada dia.

Nosso corpo é o alcance de nossa liberdade.

E este corpo manifesta-se através de todos os seus sentidos.

Geralmente damos mais atenção à pele, ao toque, ao tato, pois este sentido exige maior proximidade e compartilhamento de sensações.

Mas existem outros que estão conosco todos os dias, que nos dão visibilidade além da visão. São os sentidos da audição, paladar, olfato e a visão. Podemos interagir com o mundo e, em consequencia, com as pessoas, com todos estes sem que percebamos que estamos estabelecendo relações.

Estes sentidos todos nos permitem que conheçamos outras pessoas, outros saberes, outros pensares e então, descobrimos que existem outras possibilidades para a existência da alma.

O aprisionamento do tato não nos liberta, nem condena.

Toda prisão, mesmo sendo romântica, almofadada e cheirosa, proibe o prisioneiro de voar. As prisões mantém o canto e a plumagem do pássaro, mas não lhe autoriza o voo. E sem o voo os passaros definham.

Como então compartilhar os sentidos sem definharmos?

É uma pergunta que faço diariamente às flores que nascem pelas ruas nas quais caminho aqui pela Lagoa. Flores que estão presentes aos que por ali passam, mas despercebidas de quase todos. Flores imperceptíveis, iguais a tantas outras, mas que para mim tem um aroma e uma cor unica, perfeita!
Viver é assim.

Muitas vezes passamos pela vida e absolutamente nenhuma pessoa nos percebe.

Um outro dia, por um momento ínfimo, alguém através de um dos cinco sentidos, te vê.

Você corre pelas ruas, agita as mãos e pede socorro.

Mas só existe um risco.

Deixar-se ver.

E se possível, viver!

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

MANIFESTO DO COLCHÃO ERÓTICO

Tania, Rosane, Sidnei, Fátima, Pietro e Jairo passaram a noite no TCG






Cenário do "colchão erótico" montado no Carlos Gomes.

Elisangela França apresentou poemas amorosos e eróticos de Fatima Venutti e Rosane Magaly Martins dia 01 de agosto, perto da meia noite, para 200 pessoas interessadas no tema.
Abaixo segue o manifesto do colchão:

MANIFESTO DO COLCHÃO ERÓTICO PARA UMA CIDADE SEM TESÃO
Aqui estamos para apresentar alguns poemas eróticos, amorosos e sensuais. O fato de falarmos em tesão e erotismo foi o suficiente para despertar a libido da cidade. O anarquista Roberto Freire afirmou em 1987 que “sem tesão não há solução” enquanto o filósofo francês Michel Foucault explicou que “o corpo pode ser interpretado como uma superfície para o exercício de relações de poder, onde a disciplina torna o corpo mais eficiente e mais dócil”. O corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso.
Para Wilhelm Reich “a estrutura do caráter do homem moderno é reflexo de uma cultura patriarcal autoritária caracterizada por um ‘encouraçamento’ do caráter contra sua própria natureza interior e contra a miséria social que o rodeia”.
"A formação das massas no sentido de serem cegamente obedientes à autoridade se deve à autoridade da família. A supressão da sexualidade nas crianças pequenas e nos adolescentes é a principal maneira de conseguir essa obediência".
Entende-se que nossa saúde psíquica está intimamente ligada com nossa capacidade de sentir prazer e ter um orgasmo satisfatório. As incapacidades psíquicas são a conseqüência do caos sexual da sociedade.
O prazer e o orgasmo podem salvar o homem?
Perguntamos isso deitadas em nossos colchões eróticos.
Pode não nos salvar, mas certamente será nele que poderemos construir alternativas e outros caminhos. Não será em nossa sociedade burguesa, nem em ambientes hostis de trabalho, muito menos em espaços de poder políticos onde castrados castram.
Encerramos este pequeno manifesto com algumas indagações para estas horas que nos restam do NOSSO INVERNO:
. que corpo estamos construindo ou constituindo nessas disputas entre controle e liberdade?
. Que arte estamos produzindo?
. Que estamos construindo para nós e para os outros?
. Qual será a intensidade de nosso orgasmo e da nossa liberdade?

Com vocês, Elisangela, nosso colchão, intimidades e poemas...